Giulio Vicini
(e-mail: v.giulio@hotmail.com)
Mestre em Gerontologia, Psicólogo
Self-Healing Massage Practitioner/Educator
Autor do livro:
"Abraço afetuoso em corpo sofrido - Saúde integral para idosos"
(editado por SENAC-SP)
Já pensaram na hipótese de que poderíamos chegar com idade avançada à beira da morte com boa saúde e vir a morrer com muita tranqüilidade? Ocorreu algo parecido com uma pessoa, na casa dos setenta e poucos anos, de que eu cuidei não faz muito tempo. Mulher ativa e independente, foi acometida de repente por uma doença neuromuscular que dificultou sua fala e, posteriormente, sua capacidade de deglutir, sendo afetada, portanto, em sua capacidade de falar e de alimentar-se normalmente. Esperava-se que a doença progredisse rapidamente tornando-a incapaz de movimentar braços e pernas, o que de fato ocorreu semana retrasada, cerca de um ano após a identificação do diagnóstico. Ela não tinha perspectiva médica de cura e me procurou para que lhe fizesse massagens. Quando ela veio a mim, ela não sabia claramente o mal que a havia atingido, nem tinha clareza do que eu poderia fazer por ela. Eu sabia que poderia ajudá-la, com massagens e exercícios, apenas a manter-se o mais independente possível até o fim de sua vida e sem dores no corpo. Uma quinta-feira do mês passado foi a última vez que eu a vi, ainda andando com sua bengala e escrevendo com mão trêmula, sempre agradecida porque saía da massagem com um senso de conforto no corpo. Não dizia nada, porque não conseguia falar, mas não ía embora sem o meu beijo de despedida. Duas semanas antes parecia ter readquirido um vigor perdido ao ouvir o concerto em la menor por piano e orquestra de Grieg, que eu havia ligado baixinho enquanto a massageava. Levantou a cabeça e o tronco (estava deitada na maca), bateu palmas com vigor e fez vocalizações de contentamento ao ouvir os primeiros acordes do piano. A enfermeira que a acompanhava explicou-me que ela gostava muito de piano. Duas semanas depois teria um surto que a imobilizaria na cama por pouco tempo. Dormiu por várias horas, acordou e ficou consciente durante algum tempo até "dormir" de novo e exalar tranqüilamente o último respiro. Não que setenta e poucos anos sejam uma idade boa para morrer! Mas, o problema (se é que há um) é ter uma morte a mais lúcida possível e a menos dolorosa possível, quando tiver que ocorrer. E acho que ela a teve também graças às massagens que recebia, que certamente tornaram sua doença, bastante grave, algo suportável. Um dia ela me confessou, com gestos, que tinha vontade de se matar. Quando a doença tirou-lhe o resto de fala que ainda lhe restava e o sabor da comida que não podia mais ingerir, ela sentiu uma rebelião engendrar-se em seu coração. Sinto que de alguma forma ela superou o medo da morte e a raiva pela situação de vida a que estava relegada e preparou-se para morrer. E a morte veio doce, tranqüila, ainda que inesperada, apesar de prevista. De massagista a massoterapeuta A massagem é uma das artes curativas mais antigas da humanidade, mas, em nosso meio cultural, perdeu-se no tempo, quiçá pela idéia de que o espírito e não o corpo devia ser cultivado. O fato é que não existe, no ocidente, uma tradição familiar do uso medicinal da massagem, como ainda há no oriente. Ela, porém, foi redescoberta pelos europeus no século XIX na esteira de viagens ao oriente e adaptada ao meio ocidental, imbuído de conhecimentos anatômicos e fisiológicos da biomedicina moderna. Nos últimos dois séculos, a massagem foi desfrutada principalmente pelos ricos freqüentadores dos centros termais e, mais recentemente, pelos desportistas cada vez mais submetidos à competição individual e grupal. A massagem sempre ficou à margem da medicina oficial, embora ela tivesse sido recodificada no ocidente por médicos e alguns deles a receitem para seus pacientes. Ela sempre foi exercida por práticos, tanto no oriente como no ocidente. Todavia, no oriente, ela faz parte de um sistema médico que inclui, além da massagem, a fitoterapia e a acupuntura e é objeto de estudo dos cursos de medicina tradicional. Entre nós, apenas recentemente a massagem tornou-se objeto de uma formação profissional de nível superior (Fisioterapia) e de nível técnico, assumindo as feições de uma terapia: a massoterapia. Ainda hoje, a maioria dos massoterapeutas (não-Fisioterapeutas) é formada por práticos que a aprenderam de modo informal ou semi-formal. Não sendo uma prática corrente da medicina oficial, a massoterapia não é reconhecida pelos sistemas de saúde como importante instrumento de saúde pública, não sendo aplicada no Sistema Único de Saúde e não recebendo, em geral, reembolso do sistema de saúde complementar (a não ser em alguns casos, quando aplicada por Fisioterapeutas). Massagem, canja e caldo de galinha não fazem mal a ninguém Todos os bons manuais de massoterapia enumeram uma grande quantidade de benefícios que a massagem propicia. Ela é benéfica tanto na prevenção, como na cura e na reabilitação. Massagem faz bem para todos (se bem aplicada, evidentemente!) e não adianta dizer que não há comprovação científica (pois há estudos sobre seus efeitos), até porque é muito fácil comprovar seus benefícios. Basta submeter-se a uma sessão de massagem para sentir como ela faz bem para as pessoas, inclusive do ponto de vista do bem-estar psíquico. Podemos elencar vários efeitos, agrupados em duas categorias: os efeitos mecânicos, provocados pelo contato manual, e os psíquicos, gerados pelo contato pessoal e pela influência dos efeitos mecânicos sobre o sistema nervoso. Os efeitos mecânicos podem ser locais, ocorrendo no local onde é feita a massagem, ou reflexos, como os que se produzem longe do local de aplicação. Como efeitos mecânicos podemos citar a melhora da circulação sangüínea e linfática, a estimulação nervosa, o aumento da temperatura da pele, o aumento do volume muscular e a tonificação dos músculos, a melhora do metabolismo muscular, o aumento do metabolismo das gorduras, o aumento da filtração renal, a estimulação da produção óssea, a melhora da função peristáltica do sitema digestório. O método de autocura Self-Healing[1] utiliza ainda alguns tipos de massagens para recuperar a musculatura das pessoas afetadas por distrofias, diminuindo o ritmo de suas perdas musculares, e para melhorar muitos problemas de visão. Os efeitos psíquicos dependem muito da interação entre quem aplica a massagem e quem a recebe. Quando se estabelece uma boa liga entre os dois, há uma sintonia respiratória e circulatória, com uma ativação da energia da pessoa que recebe a massagem. O massoterapeuta deve estar muito centrado, energizado, relaxado e bem disposto em relação a seu cliente para que isso aconteça e este, por sua vez, deve estar receptivo à ação do terapeuta. Podemos dizer que a massagem visa o reequilíbrio energético, o bem-estar físico e psíquico, o relaxamento físico e mental, o alívio de dores, a consciência corporal, o aumento da sensibilidade e da capacidade de percepção, um sentido de segurança pessoal e de autoconhecimento, um acréscimo de energia para enfrentar a realidade do cotidiano, a recuperação de mobilidade e movimentos e a conquista de um novo equilíbrio psico-físico. São benefícios importantes para uma terapia manual não invasiva aparentemente inócua como a massoterapia! Não há contra-indicações para a massoterapia, embora seja evidente que ninguém está autorizado a massagear regiões do corpo afetadas por traumas, dores agudas ou problemas de pele. Mesmo assim, a massagem na parte do corpo não afetada pode trazer grande benefício às partes afetadas. Mesmo em caso de câncer de tipo metastático, nos quais teme-se que a massagem acelere a difusão do câncer no corpo, há estudos que indicam não ser ela contra-indicada, desde que adequadamente aplicada. Pensando bem, como negar a um doente canceroso maior bem-estar, quando as terapias médicas tradicionais antitumorais são tão invasivas e conturbadoras de seu equilíbrio físio-psíquico, considerando, também, que a massagem pode melhorar as condições gerais de seu sistema imune, capaz de combater o próprio câncer? Massagem e velhice: um casamento rejuvenescedor Moro em um bairro que tem uma alta concentração de pessoas idosas. Elas estão em todo lugar: na rua, no supermercado, na igreja, no restaurante, no parque. Muitos há que se movimentam com graça e energia, mas há, também, os que arrastam pernas apoiados em bengalas e acompanhantes. Quando os vejo, sempre me pergunto se eles pensam que é normal para um velho ser corcunda e arrastar pernas. Há muitas pessoas que devem achar isso, porque a todos é dado melhorar o movimento de seu corpo e, aparentemente, nada fazem para melhorá-lo. Mesmo os que aparentam ter dinheiro para pagar suas curas. Às vezes vejo os filhos já maduros cuidando de seus velhos decrépitos com muito carinho e pergunto-me se eles têm a consciência de que a decrepitude não é característica obrigatória da velhice. Por que será que esse carinho todo não se traduz numa atitude de rebeldia contra a decrepitude? Por que não gastam algum tempo e algum dinheiro para que seus velhos tenham um corpo menos sofrido e mais independente dos cuidados alheios, por filiais que sejam? Garanto que se dispõem a gastar rios de dinheiro na farmácia, para controlar com remédios poderosos inúmeros problemas de saúde, a maior parte deles ocasionados pelos próprios remédios (há pessoas que tomam dúzias de remédios por dia -veja as dificuldades da administração destes remédios- sem que alguém possa saber quais seus efeitos reais no corpo; nem os próprios médicos sabem os efeitos das interações medicamentosas de tantos remédios). A massagem, acompanhada de exercícios leves (ativos e passivos) pode melhorar a situação de vida de qualquer idoso, por adoentado que esteja, até o ponto de fazer reverter situações de desequilíbrio da saúde muito complicadas. A melhora e a cura está em cada um, em sua mente, na medida em que ela seja capaz de pensar em si mesmo como em alguém em via de restabelecimento e não em alguém definitivamente vencido por algum mal. Autocura: um novo equilíbrio para sua saúde Termino com algumas observações de Meir Schneider, criador do método de autocura Self-Healing®, que se apresenta a seus clientes como "professor" de autocura. "Descobri que trabalhar o aumento da mobilidade e superar outros sintomas é melhor do que qualquer pensamento ou afirmação positiva; é a ação física em si (massagem e exercícios -n.d.r.) que pode nos ajudar a evitar os perigos da depressão, permanecer otimistas e positivos e manter uma abordagem saudável."[2] " Apresentei ao grupo (em palestra aos portadores de esclerose múltipla -n.d.r.) a minha opinião, baseada no meu extenso trabalho com esclerose múltipla: que todos podiam melhorar, contanto que prestassem atenção e fossem muito conscientes de suas restrições. Se uma restrição é a fadiga, precisa-se ter consciência disso, perceber quando ela está se aproximando, e descansar. Se a restrição é falta de vontade de se mover por causa da depressão, é preciso imediatamente usar exercícios de movimentos suaves e sutis para reduzir a sensação de desesperança. O movimento que leva a uma mudança de padrão, o movimento que é fora do comum para nós, é o tipo de movimento que ajudará a fortalecer o sistema nervoso central."[3] "Por fim, falei sobre a questão de remédios. Muitas pessoas com esclerose múltipla estão tomando remédios e muitas vão tomar outros remédios que estão sendo desenvolvidos o tempo todo. Disse-lhes que, na minha opinião, praticar movimentos, como eu acabara de ensinar-lhes, seria sempre o melhor recurso para melhorar sua saúde."[4] OUTROS ARTIGOS DO AUTOR - Movimento, ainda que tardio - Morrer curado? - Esqueceu-se de respirar e morreu - Envelhecer sem visão? - Por que autocuidados na velhice? - Envelhecimento, plasticidade do cérebro e saúde - Fundamentação, assentamento, grounding (sobre terapia bioenergética - 6 p.) - Esclerose múltipla (síntese da literatura científica e do Método Self-Healing - 29 p.) (os últimos dois artigos devem ser requeridos ao autor: v.giulio@hotmail.com) [1] Para conhecer o método Self-Healing®, acessar o site Self-Healing Brasil [2] Meir SCHNEIDER. Movimento para a autocura: Self-healing, um recurso essencial para a saúde. São Paulo: Cultrix, 2005, p.177 [3] Referência anterior, p.179 [4] Referência anterior, p.180